Imóvel no Chelsea poderá ser visitado a partir do meio do ano
Louise Bourgeois no estúdio em sua casa, no Chelsea, em Nova York, em 1974 - Divulgação
NOVA YORK - Diferentemente de Paris, onde os lares e estúdios de Auguste Rodin, Eugène Delacroix e Gustave Moreau estão no itinerário de turistas, Nova York tem uma escassez de casas de artistas convertidas em museus. Pintores e escultores em Manhattan geralmente habitam lofts e, quando se mudam, outros ocupam os espaços. Um dos poucos exemplos é a Spring Street 101, casa de Donald Judd no SoHo, que pode ser visitada sob reserva. O edifício, impecável, com quartos ensolarados que abrigam arte minimalista lindamente instalada e mobília desenhada por Judd, representa um esplendoroso yang masculino. Finalmente, ele tem seu yin correspondente: a escondida e entulhada morada em Chelsea que foi ocupada por Louise Bourgeois (1911-2010).
Parece adequado que a casa de Judd seja sustentada por colunas, e o lar de Bourgeois seja encimado por uma claraboia oval pintada com a matiz de água-marinha favorita da artista, uma mistura de azul prussiano, branco e um toque de ocre. Artista profundamente original, Bourgeois viveu por quase meio século no nº 347 da 20th Street, lado oeste, uma estreita casa geminada de tijolos do século XIX. Uma organização sem fins lucrativos, a Fundação Easton, criada por ela nos anos 1980, abriu o local para grupos pequenos de amantes da arte. No meio do ano, ela ficará acessível ao público, por meio de visitas agendadas no site theeastonfoundation.org. Pouco antes de morrer, em 2010, aos 98 anos, Bourgeois comprou a casa adjacente de seu vizinho, o figurinista William Ivey Long. Agora funciona como uma pequena galeria onde seu trabalho fica exposto, como acomodação temporária para acadêmicos de lugares distantes e como biblioteca e arquivo.
Sua própria residência, porém, é a atração principal. Mais de cinco anos depois de sua morte, a casa ainda dá a impressão de ser habitada pela mulher que a chamava de lar. Vestidos e casacos estão pendurados no armário. Revistas e livros de anotações enchem as estantes, que exibem a amplitude de interesses de Bourgeois, incluindo “Alegria de cozinhar”, o “Bagavadguitá” e as “Nove estórias” de J.D. Salinger.
Uma sensação de que, a qualquer momento, Bourgeois poderia entrar pela porta é aguçada pela atmosfera de decadência boêmia: com certeza, o lugar não está arrumado para ser visto por qualquer um a não ser sua proprietária. Retalhos grosseiros chamam a atenção para o afundamento de um teto de gesso. Um cooktop a gás com duas bocas que faz as vezes de fogão e uma televisão antiquíssima que fica ao lado de uma pequena cadeira dobrável de metal aprofundam a impressão de uma casa que não está pronta para receber visitas. “Eu estou usando a casa. A casa não está me usando”, disse ela a um visitante, quando tinha 70 e poucos anos.
A morada está sendo mantida o mais próximo possível da aparência que tinha quando a proprietária estava viva.
— A casa tem uma vibração — observou Jerry Gorovoy, que foi assistente e amigo de Bourgeois por 30 anos e hoje preside a fundação (cujo conselho diretor conta com os dois filhos da artista, Jean-Louis e Alain). — Tem um coração e uma alma. As pessoas ficam emocionadas quando vêm aqui.
SEM INTERESSE POR ‘COISAS BONITINHAS’
A decoração utilitária é condizente com a natureza pragmática de Bourgeois.
— Se o piso estivesse bom, e ela pudesse ficar de pé sobre ele, e ele suportasse suas esculturas, isso é tudo o que importava para ela — explicou Gorovoy. — Ela não tinha interesse em decoração, adornos e coisas bonitinhas.
Bourgeois comprou a casa geminada em 1962 por menos de US$ 30 mil, com seu marido, o historiador da arte Robert Goldwater, que ela conheceu em sua Paris natal em agosto de 1938, e com quem se casou um mês depois. Ela se mudou com ele para Nova York, onde criaram três filhos. Com a morte de Goldwater, em 1973, Bourgeois remodelou drasticamente o local. Ela saiu do quarto de casal dos fundos no segundo andar, deixando esse cômodo e a biblioteca de Goldwater, no terceiro andar, praticamente intocados, como um tipo de memorial. E instalou uma cama de solteiro no quarto da frente do segundo piso. (Muitos anos depois, quando uma artrite fez com que subir a escadaria se tornasse um fardo, transferiu seu quarto para um gabinete no primeiro andar.) Nos anos em que foi esposa e mãe, Bourgeois usou o porão para trabalhar. Depois, transformou o prédio inteiro num estúdio de arte.
— De um ponto de vista psicológico, ela fez transformações tão radicais como forma de lidar com uma perda extrema — opinou Gorovoy.
Uma explicação psicológica é apropriada para uma artista que demarcou sua carreira com linhas fortes de luto. Com a morte de sua mãe, em 1932, ela largou os estudos de matemática e filosofia para se tornar artista. Sua mãe, que restaurava tapeçaria antiga, representava um ideal de proteção para a filha. Suas icônicas esculturas de aranha foram uma alusão à mãe tecelã. A morte de seu pai, em 1951, levou-a a fazer sessões de psicanálise freudiana por décadas, e a morte de Goldwater libertou-a — ou forçou-a — a se dedicar totalmente à arte.
Fonte: Estado de São Paulo
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